RES



Por Ricardo Silva
Os temas da poesia amazônica têm ficado cada vez mais repetitivos; os poetas não prezam mais pela criatividade vocabular, não criam mais inovações, e prenderam-se num “regionalismo local” -  não me julguem redundante – que é aquele regionalismo que só entende quem vive naquela terra e não possui conotação universal. Talvez possa parecer que estou sendo injusto, mas os leitores da poesia nortista, por exemplo, concordarão comigo, mesmo que a contragosto. As imagens quase sempre são as mesmas, e em alguns poetas até os termos se repetem, demonstrando como os poetas dessa parte do Brasil tem ficado presos a uma tradição poética que é-me obsoleta. Contudo um poeta tem se mostrado alheio a isso, produzindo uma poesia nortista-amazônica sem estar preso a modelos regionalistas rasos e limitadores. Esse poeta é Herbert Emanuel.
Herbert Emanuel é um estranho no ninho poético de sua cidade. Ele está isolado de seus colegas de ofício, mas não um isolamento arrogante de quem não quer se misturar por achar-se superior, sim um isolamento involuntário de quem escreve de forma plenamente diferenciada de seus pares. Herbert está situado dentro de um anacronismo poético. Ele não escreve como um poeta preso, não escreve dentro de um modelo castrador. Em parte por isso, seus livros causam certo estranhamento dentro dos círculos mais tradicionais da poesia amazônica. Mas o poeta não se conforma, não para de escrever. Desde seu primeiro livro, Nada ou Quase Uma Arte, Emanuel tem se mostrado um fazedor de poesias que busca temas universais, que amplia suas discussões poético-filosóficas a níveis que ultrapassem as fronteira do regionalismo pueril. Característica essa que mostrou-se de forma mais nítida no seu último livro: Res.
Seguindo seu projeto poético-linguístico, o livro Res tem como tema o real, mas não o real idealizado, no sentido platônico de um mundo ideal, mas esse real aqui, presente, palpável, humano, demasiadamente humano; esse real “com sua alegria/ sua beleza/ e seu áspero desespero” (p. 14). Neste pequeno livro com 12 poemas, todo o esforço, toda a transpiração na composição é exposta em cada linha onde as palavras se alinham em simetria rigorosa. Edição bilíngue, com todos os poemas traduzidos para o espanhol, Res tem uma sonoridade doce, uma tranquilidade suave, o que fica mais ressaltado com o trabalho gráfico feito no livro com fotos em preto-e-branco. Os poemas têm vida própria, funcionam muito bem isoladamente, mas no seu conjunto têm também fio um condutor que os liga de forma que eles pareçam apenas um grande poema. As poesias que compõe o Res são carregadas de conotações linguísticas, onde a escolha das palavras estão sob a tutela de uma meticulosidade grandiosa. As palavras, ou mesmo o real, crescem nos poemas de Herbert Emanuel, ficam maiores, a sensibilidade do leitor fica mais aflorada; o leitor sente o impacto de cada verso, sente as pancadas do real em versos como: “o real/ com sua fome de fezes/ sua sede de ônix/ seu deus desdentado/ e sem palavra”.
O livro Res só confirma o quanto a poesia de Herbert Emanuel está longe, avançada, em relação a seus contemporâneos regionalistas, que pararam no tempo e nos temas. A poesia herbertiana deve ser mastigada, remoída, e ruminada, num constante exercício de vomitar e deglutir tudo novamente e, em cada nova digestão, extrair novos significados, perceber novas tonalidades, e se deleitar no prazeroso gosto da boa poesia.

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