"AMAR É UM DESERTO E SEUS TEMORES"
A arte e o amor
possuem algo em comum: ambos são campos minados. A qualquer momento explodem-se
sentidos insuspeitáveis. Talvez por isso não se possa pisá-los de qualquer
jeito, desatentamente. Um pouco de cuidado, prudência, convém. Entretanto, o
mais importante, é correr o risco.
A música Oceano, de Djavan, permite-nos uma reflexão interessante sobre o perigoso e misterioso território das relações amorosas. O amor é retratado a partir de uma abordagem poética e nela podemos perceber todas as implicações decorrentes de um relacionamento amoroso: a solidão, a presença, a ausência, o desejo, a espera, a felicidade, a tristeza...
Assim que o dia amanheceu
Lá no mar alto da paixão
Dava pra ver o tempo ruir
Cadê você? Que solidão!
Esquecera de mim
Lá no mar alto da paixão
Dava pra ver o tempo ruir
Cadê você? Que solidão!
Esquecera de mim
Enfim, de tudo o que há na terra
Não há nada em lugar nenhum
Que vá crescer sem você chegar
Longe de ti tudo parou
Ninguém sabe o que eu sofri
Não há nada em lugar nenhum
Que vá crescer sem você chegar
Longe de ti tudo parou
Ninguém sabe o que eu sofri
Amar é um deserto e seus temores
Vida que vai na sela dessas dores
Não sabe voltar, me dá teu calor
Vida que vai na sela dessas dores
Não sabe voltar, me dá teu calor
Vem me fazer feliz porque eu te amo
Você deságua em mim, e eu, oceano
Me esqueço que amar é quase uma dor
Só sei viver se for por você!
Você deságua em mim, e eu, oceano
Me esqueço que amar é quase uma dor
Só sei viver se for por você!
Três
momentos são muito importantes para uma possível leitura desta música. Logo no
início temos o conhecimento da atmosfera amorosa em que o autor está envolvido:
é alguém completamente apaixonado, transbordando de paixão, mas que não
consegue “desaguar” (dividir, partilhar seu amor) porque lhe falta a outra
metade, ou porque não a tem mais, ou porque é possessivo demais, donatário de
uma “capitania amorosa” (marítima?), prestes a ser saqueada. Então, como um mar
cheio que não tem onde repousar, desaguar e que, portanto, invade, inunda,
destrói, o poeta se sente desolado, perdido, o mundo desaba sobre ele:
"assim que o dia amanheceu
lá no mar alto da paixão
dava pra ver o tempo ruir"
O segundo momento é quando o narrador
utiliza-se da bela metáfora: “amar é um deserto e seus temores”,
pois é através dela que ele nos define
sua concepção sobre este sentimento. O
amor é como um deserto: ambíguo, misterioso, nos causa medos e delírios, se
converte em oásis; mas é devastador, carente e imprevisível. Percebe-se aqui
pitadas de platonismo nesta concepção do amor – sua matriz é a carência.
O terceiro momento é quando ele passa de
deserto a oceano. É exatamente neste dois contrapontos que o poeta vai
fundamentar seu tema. O deserto simboliza a hostilidade, lugar transitivo, de
passagem, a falta, a secura, a aridez e a avidez, por outro lado, quando o amor
é oceano, ele é cheio, é pleno, é rico, é transbordante, exatamente o que
acontece se ela, a amada, retorna feito rio que deságua no mar, como o mar que
faz o oceano, e, aí nesses momentos, o amor é uma fina dor que chegamos quase a
esquecê-la enquanto tal:
"você deságua em mim
e eu oceano
esqueço que amar é quase uma dor"
Os
três momentos a que nos referimos acima são, na verdade, três formas diferentes
de dizer que o poeta não pode mais viver sem o amor de sua amada. E o andamento
da canção culmina com sua declaração final:
“só sei viver
se
for por você”
Ele
se dirige às pessoas que, como ele, sofrem de uma perda amorosa, ou que
cavalgam na dor e na tristeza de não serem correspondidas, ou àquelas que vivem
esperando, e essa espera faz doer mais porque a solidão aumenta:
"e enfim de tudo que há na terra
não
há nada em lugar nenhum
que
vá crescer sem você chegar
longe
de ti tudo parou
ninguém
sabe o que eu sofri”
A música nos faz refletir sobre este
sentimento inexplicável, que só os poetas conseguem definir satisfatoriamente.
Quando lemos um belo poema sobre o amor, ou quando escutamos uma música como
esta de Djavan, nos sentimos arrebatados, porque é como se finalmente
tivéssemos encontrado as palavras certas, era assim que queríamos dizer. E, às
vezes, nos deparamos com um espelho: o poema ou a música acaba retratando-nos,
trazendo-nos lembranças, relatando nossas experiências e possibilitando novas,
potencializando, sobretudo, nossas vidas. É por isso que a arte tanto quanto o
amor são imprescindíveis. E sempre valerá a pena correr o risco.
Se pararmos para prestar atenção na poesia q é essa letra, nosso coração se derrete.
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