RESIDÊNCIA POÉTICA EM ISNARD LIMA
O QUE É RESIDÊNCIA POÉTICA?
Residência poética é a expressão que encontramos para definir nosso processo de escolher determinado escritor ou escritora e habitar nele(a) pelo tempo que nos aprouver. Morando nesse(a) autor(a) durante um determinado tempo, nele(a) praticamos exercícios de leitura, estudo, passeio, análise, crítica, entretenimento e o que mais ocorrer.
ISNARD LIMA- Residência Poética 01
Eu (Adriana Abreu), o Herbert e a Lívia começamos a Residência Poética em Isnard Lima - poeta nascido em Manaus que morou e publicou por essas bandas.
O Marco Chagas da Eco Tumucumaque nos cedeu a sala para encontros às terças, às 19h, no mês de junho. A ideia é que o espaço da Residência Poética seja itinerante.
Heluana Quintas nos emprestou o único livro que temos até agora: Rosas para a madrugada. O livro emprestado é da 2ª edição que saiu em 1968, a dedicatória é para o pai dela: Cosme Jucá de Lima. Não sabemos de quando é a 1ª edição, mas por ocasião da segunda, Isnard tinha 27 anos.
Numa espécie de agradecimento ou dedicatória ao pai, ele logo nos revela suas possíveis preferências: o Cubismo e a Poesia de Augusto dos Anjos.
Estou pensando no berro.
É necessário berrar alto. Mas o berro é anormal.
Pode ter raízes cubistas. Pode não ter raízes.
O meu berro tem raízes cubistas. Desculpem.
Meu pai me deu dois presentes grandes: boca e pulmão.
Sei onde escarro, sei onde berro. Sei onde beijo.
Graças a meu pai,
O berro está aí
O livro possui 60 poemas. Na terça-feira do dia 31/05, lemos 40 e chegamos a algumas conclusões.
EXPLICAÇÃO
Nasci sob a forma de um peixe
E depois me alimentei de algas.
Vinte séculos após, saí da escuridão.
Estes poemas não têm idade
Nem sexo
Nem luz
Nasceram por acaso
Sem razão
Têm perfume
E não são meus
Nem teus...
Lá pela leitura do terceiro poema, o Herbert fez referência ao Ezra Pound, dizendo que na classificação deste crítico, Isnard seria lotado na categoria dos que fazem uma poesia do logos, cuja predominância é de conceitos, sem conseguir efetivar o que é imprescindível para que um escritor se destaque ao fazer isso: “a dança do intelecto entre as palavras”. O autor de Rosas para Madrugada faz concessão ao óbvio.
Certeza
Amo-te
e proclamo
o amor imenso
estranho
(e denso)
que me inspiras
Apesar de tudo
teu sorriso
é mudo
para mim
Ainda assim
sei que não posso
duvidar
de mim
Lívia disse que Isnard empresta para si a persona do poeta desajustado, figura típica do ultra-romantismo. Herbert concordou ao dizer que ele bebe sim nessa fonte e faz uma espécie de remake de poeta boêmio do séc. XIX.
Marca
Sou um desajustado social
Represento o papel de um menino bêsta
Igual a outros milhares de meninos
Pelo Mundo
Vagabundo
Ator
Pa
lha
ço e bêbedo
Nesta estrada reta
Sobrou a máscara
obscena
de Poeta.
Do poema acima, aproveitei apenas a última estrofe, reajustando-a, a fim de montar um quase haicai.
Nesta estrada reta
Sobrou a máscara
Obscena de poeta.
Na leitura do Poema ao povo, Herbert fez referência a Mário Faustino, recordando-se de uma crítica feita a um jovem poeta a quem Faustino recomenda não fazer promessas. O poeta não tem que dizer o que o poema é ou será, o próprio poema em si deve mostrar isso; senão é discurso, é retórica, é panfleto.
POEMA AO POVO
Meu poema é teu, irmão
Está à tua disposição em qualquer lugar
Meu berro de guerra não se perderá no ar!
Encontrará resposta em outras esquinas
Subirá às praças, derrubando mitos
Meu poema é prece de guerra
Ensangüentando a Terra
Em que vivemos mortos.
Vejamos, então, como seria um poema sobre a guerra que leva a crítica de Faustino à risca:
Leite-breu d’aurora nós te bebemos à noite
nós te bebemos ao meio-dia a morte é uma mestra d´Alemanha
nós te bebemos à tarde e de manhã bebemos e bebemos
a morte é uma mestra d’Alemanha seu olho é azul
ela te tinge com bala de chumbo te atinge em cheio
na casa mora um homem teus cabelos de ouro Margarete
ele atiça seus mastins contra nós dá-nos uma cova no ar
ele brinca com as serpentes e sonha a morte é uma mestra
[d’Alemanha
teus cabelos de ouro Margarete
teus cabelos de cinza Sulamita
(duas últimas estrofes do poema de Paul Celan traduzido como Fuga sobre a morte por Sandra Cavalcante)
A residência poética neste autor continuará. O combinado é que cada um escolha um método de crítica literária que lhe agrade e selecione pelo menos um poema que considere ruim e outro que considere bom. A intenção é pontuar com referências as peculiaridades da escrita de Isnard Lima.
ISNARD LIMA - Residência Poética 02
Quase oito horas da noite do dia 07 de Junho de 2011, lá estávamos eu, o Herbert, o Zequinha, o Renan e o Paulo, na Eco Tumucumaque, lendo os 20 poemas que faltavam para encerrar a leitura de Rosas para Madrugada do Isnard.
Começamos pelo poema Ressaca. É um poema que resvala no Simbolismo. A primeira estrofe é sugestiva, existe nela a tentativa de efetuar “correspondências” - aproximação entre realidades físicas e sensoriais - tão caras aos Poetas do Inefável.
RESSACA
A música das moscas
sobre a mesa
zumbe abstrações aéreas
provoca o espectro
de ilusões etéreas
e foge para o Ar!
Em se tratando dos influxos filosóficos do Simbolismo, é possível fazer menção a Bergson e a sua ideia de tempo como duração. Sobre esse assunto, Herbert assim nos explicou: “A duração é um tempo qualitativo não quantitativo. Não se pode medir, não se pode fragmentar, ele (o tempo) está relacionado a uma vivência, a uma intuição; neste caso é fruto de uma vivência que o poeta experimenta. O movimento da mosca não pode ser quantificado pelo poeta porque ele comparticipa dele. É o tempo absoluto, irredutível ao pensamento conceitual que é captado pela intuição do poeta desse momento. O movimento da mosca é o próprio movimento da vida.”
Do livro Rosas para a Madrugada, além da primeira estrofe do poema Ressaca citado, só um poema consideramos merecedor deste nome: o poema intitulado Fantástico.
Nele existe o que tanto Faustino quanto Ezra Pound consideram como aspectos necessários para se fazer boa poesia:
a) Não utiliza palavras supérfluas:
A casa onde escondo as minhas ilusões
está um pouco diferente
Nem existem lágrimas
para limpar
a poeira
que deixei nas esquinas
b) Adjetivos usados com parcimônia, sem abstração demais, e no caso do poema considerado, o poeta conseguiu substantivar o adjetivo, o que é muito bom, pois lhe dá concretude (Pound afirma que é preciso sempre temer as abstrações). Entre usar um adjetivo abstrato e um concreto, prefira sempre este último.
Rasguei os bruxos chineses
das estantes
c) O jogo inteligente das ideias (logopeia) e das imagens (fanopeia) estimulam a imaginação do leitor, como atesta o poema como um todo:
A casa onde escondo as minhas ilusões
está um pouco diferente.
Rasguei os bruxos chineses
das estantes.
Nem existem lágrimas
para limpar
a poeira
que deixei nas esquinas.
Sobrou um disco chorão
rindo de mim
em cordas de violino.
E o meu Stradivarius, senhores,
morreu
numa esquina
romana.
Há, sem dúvida, neste poema, para usar uma expressão do Mário Faustino: “uma promessa de poeta”. Como ainda não lemos os outros livros do Isnard, posteriores ao Rosas para a Madrugada, não podemos afirmar ainda se ela se cumpre.
Muito bacana a "Residência Poétiva". Pode ser ampliada para "Casarão Poético". Bjs!
ResponderExcluirQuerida Márcia,
ResponderExcluiragradecemos pela visita. É claro que as portas da Residência Poética estão
abertas para quem nela quiser entrar e a proposta é que muitos venham para que ela se torne o casarão que sugeriste.
Beijocas Poéticas!