COM VERSO DE XARDA

Por Adriana Abreu

“Dia 02 de fevereiro, dia de festa no mar...”

Cantando, foi assim que abrimos nossa apresentação, neste dia, saudando Iemanjá, senhora das águas, para dançar a xarda com desenvoltura.



A montagem do TATIMIRÔ e do PIUM FILMES, em sintonia com a programação do MIS-AP, manifestou nosso apreço pela cidade. Começamos com a projeção que os piuns Paulo e Renan prepararam especialmente para a ocasião: páginas do livro Xarda Misturada com a narração do poeta Herbert Emanuel rememorando a convivência com os poetas Ray, Joy e José. A poesia do Xarda, que iniciou no vídeo, prosseguiu com as declamações feitas por mim e Lorena, enquanto haigais com fotos antigas da cidade de Macapá alternavam-se na tela. A poetisa Mary Paz juntou-se a nós declamando o poema “Cuidado! Sou louca!” de sua autoria.


Esta postagem é a nossa homenagem aos 253 anos de Macapá. Nela, mostraremos nossas escolhas para a atuação no SESC-Centro. Primeiro, o texto da narração do poeta Herbert Emanuel para o vídeo e o poema que dá título ao livro:

UM CERTO ZÉ QUE MORAVA NUMA LATA DE SARDINHA

O livro Xarda Misturada faz parte da minha memória afetiva de Macapá. Na década de 70, seus autores Ray Cunha, Joy Edson e José Montoril eram amigos das minhas irmãs e frequentavam bastante a minha casa. Quem não gostava muito era o meu pai. Acho que ele desconfiava de alguma paquera, não via com bons olhos a amizade daqueles jovens poetas boêmios com suas filhas.
Eu tinha 9 ou 10 anos e me lembro de uma cena em que os três, numa noite chuvosa, rolavam pelo chão, enlameados e encharcados, declamavam poemas para minhas irmãs, que assistiam aquilo da janela do sobrado rindo muito. O comportamento irreverente daqueles poetas, que eram bem novos (tinham entre 16 a 17 anos), marcou a minha infância e foi decisivo na minha escolha pela poesia. Eu também queria ser poeta.
Dos três, Ray Cunha era quem eu mais admirava.  Ele inventava umas histórias pra mim de um certo Zé que morava numa lata de sardinha e vivia metido em confusões quixotescas. Ray era um excelente contador de histórias. Quando me encontrei com ele muitos anos depois, falou que tinha abandonado a poesia e se dedicava exclusivamente à prosa, ao contrário do seu parceiro de Xarda, Joy Edson, que é poeta e jornalista, e mora em Brasília. Do José Montoril não tenho notícias, se ainda é vivo, se é poeta ou enveredou por outros caminhos.
Relendo o livro Xarda Misturada, a gente percebe alguma imagem, algum verso interessante, alguns achados, mas o tom extremadamente lírico revela, ao mesmo tempo – e é isso que eu acho válido na poesia deles, como testemunha de uma época – a imaturidade, a ingenuidade e a gana de querer transfigurar a vida em experiência poética.
No livro, há um poema que gosto particularmente: o poema-título “Xarda Misturada”.  Xarda é nome de uma dança húngara, que possui uma parte melancólica e outra de caráter selvagem. Eu gosto do poema porque ele consegue um certo alcance da atmosfera vivida na época: a influência ainda dos Beatles, de um certo Oriente filtrado pela contracultura.



XARDA MISTURADA

Descobri o que é czarda,
minha poesia herda algo húngaro!
A inspiração é do achado de xarda.
Acho que herdaram-na;
Oeste e leste de Greenwich.
Beatles misturaram xarda
George Harrison a estuda no Oriente;
volvemos gueixas, samurais, jiu-jitsu
e arte musical,
apenas cítaras no tempo de “A Grande Muralha
em Abbey Road (os dois no atual).
Filmes e exposições.
Alucinações de pensamentos desconexos
providos de tudo!
Inspiração? É o que tenho desabafar,
tópico é o que não há.
Achei! É o tema de um livro azul,
chama-se Malabar.
O mundo é profundo,
o homem, a vida.
Sinto inspirações sem temas,
adolescentes, imaturas, profundas.
Quero desabafar, aos poucos desabafo
e agora existe xarda misturada.
Czardas, dedos e teclas e cordas e outros
somem-se no gesto de bailarino,
apenas tímpanos esmaecem e depois
tomam outro tom, deve ser verde...
Há o nexo. O fim é:
Cosmo.
Havendo mais:
A vida é bela.
(Não para todos)
O amor é a substância vital da alma.
O mundo é um conjunto,
façamo-nos elementos do mesmo.
Quando Alexandre Dumas Jr...
minha máquina do tempo
volveu ao tempo,
fui e vi espadas normandas e mundo saxão.
Esse passatempo considero uma equação.

Ray Cunha

Agora, você tem a seleção do haigais que compõem o vídeo em homenagem à Macapá.




















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