Ladrão de Pensamentos

“Que os outros se jactem das páginas que escreveram,a mim me importam as que tenho lido.”

Jorge Luís Borges



O filósofo alemão Nietzsche já dizia que “a arte é o grande meio de tornar a vida possível, o grande encanto da vida, o grande estímulo para vida.”No entanto, vivemos hoje numa sociedade que estereotipa todas as condutas, todos os comportamentos, massifica e trivializa a própria vida, fabrica indivíduos dóceis, domesticados, inoculados de qualquer ato de rebeldia (o que significa dizer também de qualquer ato de criação). Falo aqui, evidentemente, dos seres midiotizados, com suas identidades postiças, incapazes de um gesto de criação.

Como reagir a isso, a essa coisa que um filósofo batizou de “condição pós-moderna”? Resistindo, discordando, instaurando o signo da suspeita, realizando o ‘dessenso’, poetizando nossa existência, fazendo arte (ou anti-arte, tanto faz), fazendo filosofia (ou anti-filosofia, tanto faz, desde que nos potencialize...), habitando esse caos nosso de cada dia, mas para realizar o cosmos, ou melhor: o caosmos, e, quem sabe, “dar a luz a uma estrela brilhante-bailarina”.

Sempre que abordo um tema, costumo indicar, previamente, o lugar ou os lugares de onde falo. Pois é impossível falar de nenhum lugar ou de todos os lugares, universalmente, isto é, uniscientemente. Quando se faz isso, falar em nome de todos (ou do Todo), é porque se quer ocultar o caráter perspectivo, relativo e precário de todo discurso, de toda leitura da realidade.

O filósofo Walter Benjamim disse, num belíssimo e saboroso livro intitulado “Rua de Mão Única”, que as citações em seu trabalho são como salteadores no caminho, que irrompem armados e roubam ao passante a convicção. Eu diria, no meu caso, que além das citações, epígrafes, também os títulos que dou aos meus textos funcionam um pouco assim como um tipo especial de salteador, um sedutor, no seu sentido etimológico mais pleno, aquele que desvia do caminho certinho.

Eu gosto de enveredar por outras vozes, outras falas, outras trilhas do pensamento, mais nômades, mais órfãs. Não esperem dos meus textos certezas e verdades absolutas; pelo contrário, há muito de incerto, duvidoso, insinuoso, muito mais experimentação do que representação, talvez nada mais que molecagem filosófica – por que não?

Escrever é expor-se às multifárias leituras. E nenhuma leitura é inocente. Toda leitura é um uso que se faz do autor. Nenhuma leitura é pura, como nenhum olhar é puro: ele está carregado de intencionalidade, de intensidades, de vibração. Como diz Deleuze, podem existir leituras pobres ou ricas, mas nunca falsas ou verdadeiras. Uma leitura pode funcionar ou não, potencializar ou não potencializar, passar ou não passar, convir ou não convir, do mesmo modo que um poema, uma música ou um quadro nos convém ou não. E nada mais que isso.

Meus textos se inscrevem dentro dessa perspectiva. São leituras de leituras de leituras. O que importa verdadeiramente para mim, concordando com Borges, é o que tenho lido. Meus textos são nada mais que pretextos para falar de minhas leituras, socializá-las com os outros, praticar exercícios de sedução, no sentido já referido, sobretudo para a arte e a filosofia. Oxalá, eu consiga!

Herbert Emanuel

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